A Portaria n. 430, de 30 de dezembro de 2020, editada pelo Ministério da Economia, divulgou os dias de feriados nacionais e pontos facultativos a serem observados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo no ano de 2021.
O ato normativo designou o “dia 17 de fevereiro, quarta-feira de cinzas” como “ponto facultativo até as 14 horas” (art. 1º, IV).
Por ocasião do feriado de carnaval, diversos órgãos e entidades organizaram internamente regimes de “escalas” de trabalho, com turnos alternados para exercício das atividades dos servidores.
Nesse cenário, para os servidores dispensados da escala de trabalho em dia de ponto facultativo (parcial ou não), em razão da organização de turnos chancelada pela própria Administração Pública, é gerada legítima expectativa quanto ao regime de trabalho, pelo que não se pode, abruptamente e a posteriori, incorrer em conduta diversa, exigindo-se o registro negativo de horas (não trabalhadas) que eram a priori inexigíveis (pela escala acertada previamente).
Trata-se de questão inerente tanto aos princípios da legalidade e da moralidade administrativas quanto aos postulados de boa-fé, segurança jurídica (proteção da confiança), razoabilidade/proporcionalidade e interesse público, nos termos do art. 37 da Constituição Federal e do art. 2º da Lei n. 9.784/1999.
Em situações de “pontos facultativos”, tem-se verificado episodicamente a frustração de expectativas de servidores não escalados para o trabalho em dia parcial (como 17 de fevereiro de 2021), sob a justificativa de suposto comparecimento obrigatório ou de imposição de horas negativas na folha de ponto (horas não trabalhadas).
Esse entendimento administrativo revela-se antijurídico, pois frustra, inclusive, a possibilidade de os servidores questionarem tempestivamente suas respectivas “escalas”, já que lhes seriam exigidas a posteriori as referidas horas no dia de ponto facultativo parcial.
Não se desconhece que a Administração Pública detém poder de autotutela que lhe permite revisitar, anulando ou revogando, seus próprios atos, quando ilegais ou quando haja contrariedade ao interesse público. Contudo, esse poder de autotutela não é ilimitado, permitindo-se, a exemplo da situação em tela, que, a pretexto de invocar-se data de ponto facultativo parcial, seja frustrada a legítima expectativa dos servidores afetados.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é inequívoca em consignar que o princípio da proteção da confiança constitui “instituto que impõe freios e contra um excessivo dinamismo do Estado que seja capaz de descortejar a confiança dos administrados” (STF, MS n. 23.387-MC-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 12.2.2015, DJe 19.2.2015; excerto da decisão do Relator).
Assim, é manifesta a antijuridicidade da conduta administrativa que consigne horas negativas nas folhas de ponto de servidores que inicialmente estavam dispensados da escala de trabalho em pontos facultativos, ante a violação à legalidade, moralidade, boa-fé, segurança jurídica (proteção da confiança), razoabilidade/proporcionalidade e do interesse público, princípios regentes da Administração Pública (art. 37 da Constituição Federal e do art. 2º da Lei n. 9.784/1999).
Nessas circunstâncias, os servidores eventualmente afetados devem valer-se do legítimo exercício do direito de petição, nos termos do art. 104 da Lei n. 8.112/1990 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União), para que a conclusão administrativa seja revista, ressalvada a possibilidade de socorro à via judiciária para afastar o indébito horário imposto.